Ploft! Acabou a energia. As luzes das velas refletem sobre os móveis e produzem as mais variadas formas geométricas. Medo. Produzem medo. As crianças choram. Outras se divertem com as sombras de animaizinhos feitos à mão. Os mais velhos correm atrás de fontes alternativas de energia luminosa, correm para manter sempre à vista os pequenos. Também sentem medo. Lá fora, o habitual mato escuro e molhado esconde diversos mistérios.
Eu fico aqui no meu canto. Relembro-me das viradas de ano em que sempre cortavam a energia elétrica na minha casa de praia. Bons tempos. Sinto falta daquela época em que eu não tinha consciência da importância da vida, não tinha preocupações, obrigações e deveres. Aquele tempo que eu era apenas uma criança perante as outras e nada mais. Penso nos outros, se também enfrentam a mesma situação, senão o que fazem nesse exato momento. Penso nas pessoas que enfrentam a tempestade fora de suas casa. Penso nos estragos que a chuva pode estar causando e também os benefícios que ela pode estar trazendo.
Volto a mim e ao meu espaço. Como é que faz falta uma lâmpada acesa em nossas residências. Como é que faz diferença a vida de uma pessoa com e sem energia elétrica. Quanta produção e trabalho estão sendo desperdiçados no momento... O que eu estaria fazendo agora se eu não estivesse nessa condição... Lendo, assistindo televisão, estudando? Com certeza, nada melhor do que um bom momento de reflexão sobre a vida, como este, algo que a costumeira vida urbana "eletrizada" talvez não permitiria...
E o fogo da vela continua a desenhar sobre as paredes. As crianças já se aquietaram. Os adultos já descansam. E eu permaneço sentada, paralisada, muda, movimentando-me apenas pelo meu pensamento, escuro.
Filme - O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
Há 9 meses